Sentada em frente ao espelho, escovava
o cabelo quase furiosamente como se, ao escová-lo, conseguisse arrancar de si
os pensamentos que insistiam em perturbá-la.
Seis anos. Seis anos de paixão ardente
e, de um momento para o outro, nada. Nada a não ser aquela maldita carta que
continuava a provoca-la estupidamente, de cima da colcha da cama.
Escovava o cabelo para não pensar,
para não recordar todos os momentos que tinham passado juntos. Porque, sabia,
nenhum deles daria alguma indicação daquele silêncio inesperado e daquela carta
concisa, escrita à pressa – como de quem foge. Mas fugir de quê? Não dela, com
certeza! Não quando, ainda há duas semanas, tinham renovado entre si as juras
de amor, no sexto aniversário da sua união. Por ele deixara para trás os pais e
os irmãos; com ele sentira-se suficientemente segura para embarcar naquela
aventura de largar a sua recôndita terra natal para se embrenhar nos labirintos
da grande cidade costeira. E agora ele partira. Partira e deixara-a sozinha
naquele pequeno apartamento no qual haviam depositado todas as economias
amealhadas.
«Parto para a Alemanha em busca de
cura e paz de espírito. De nada te serve um homem aleijado e incapaz de te
sustentar. Darei notícias.»
Mas não dera. Havia três semanas que
partira e a única carta que ela recebera fora aquela que lhe deixara, ali, em
cima da cama, antes de ela voltar do serviço. Como que lembrança contínua da
traição dele, relia a carta todas as noites, quem sabe em busca de que
resposta, conseguindo apenas aprofundar a ferida que se lhe abrira no peito.
Pousou a escova e, acercando-se da
cama, puxou com força as cobertas para trás, deixando que a carta esvoaçasse
para onde bem lhe aprouvesse. Deitou-se e esperou, em vão, que o sono lhe
chegasse. Essa noite foi pior do que as anteriores.
Já perto da madrugada, virou-se
novamente na cama, enrolando-se um pouco mais nos lençóis. Os acontecimentos do
dia impediam-na de adormecer profundamente, o pensamento a viajar de forma
incessante. Contrariando a parte de sique queria esforçar-se por dormir,
obrigou-se a despertar e ajeitou as almofadas e a roupa da cama. Voltou a
aninhar-se para tentar dormir e apercebeu-se de que estava a suar. Num
instante, tinha atirado para o chão a camisa grossa de dormir e voltado a
enroscar-se, assim despida, com exceção das calcinhas, entre os lençóis e as
almofadas, apreciando a súbita frescura sobre o seu corpo nu.
Porém, logo sentiu a falta de um outro
corpo abraçando o seu, aquele corpo tão familiar, tão quente e forte, que
tantas noites a envolvera e que ela tantas noites explorara. Sentiu-se
subitamente só e perdida, naquela cama demasiado grande para um corpo
solitário. Pequenas lágrimas de raiva percorriam os tristes da sua face de
menina, gotas salgadas que ela rapidamente limpou, enquanto tomava a sua
decisão.
Despontavam os primeiros raios quando,
com a mente resoluta, abraçou as pernas e conseguiu, enfim, adormecer.
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