quinta-feira, 4 de abril de 2013

A Festa de Outono - I



Sentada em frente ao espelho, escovava o cabelo quase furiosamente como se, ao escová-lo, conseguisse arrancar de si os pensamentos que insistiam em perturbá-la.
Seis anos. Seis anos de paixão ardente e, de um momento para o outro, nada. Nada a não ser aquela maldita carta que continuava a provoca-la estupidamente, de cima da colcha da cama.
Escovava o cabelo para não pensar, para não recordar todos os momentos que tinham passado juntos. Porque, sabia, nenhum deles daria alguma indicação daquele silêncio inesperado e daquela carta concisa, escrita à pressa – como de quem foge. Mas fugir de quê? Não dela, com certeza! Não quando, ainda há duas semanas, tinham renovado entre si as juras de amor, no sexto aniversário da sua união. Por ele deixara para trás os pais e os irmãos; com ele sentira-se suficientemente segura para embarcar naquela aventura de largar a sua recôndita terra natal para se embrenhar nos labirintos da grande cidade costeira. E agora ele partira. Partira e deixara-a sozinha naquele pequeno apartamento no qual haviam depositado todas as economias amealhadas.
«Parto para a Alemanha em busca de cura e paz de espírito. De nada te serve um homem aleijado e incapaz de te sustentar. Darei notícias.»
Mas não dera. Havia três semanas que partira e a única carta que ela recebera fora aquela que lhe deixara, ali, em cima da cama, antes de ela voltar do serviço. Como que lembrança contínua da traição dele, relia a carta todas as noites, quem sabe em busca de que resposta, conseguindo apenas aprofundar a ferida que se lhe abrira no peito.
Pousou a escova e, acercando-se da cama, puxou com força as cobertas para trás, deixando que a carta esvoaçasse para onde bem lhe aprouvesse. Deitou-se e esperou, em vão, que o sono lhe chegasse. Essa noite foi pior do que as anteriores.
Já perto da madrugada, virou-se novamente na cama, enrolando-se um pouco mais nos lençóis. Os acontecimentos do dia impediam-na de adormecer profundamente, o pensamento a viajar de forma incessante. Contrariando a parte de sique queria esforçar-se por dormir, obrigou-se a despertar e ajeitou as almofadas e a roupa da cama. Voltou a aninhar-se para tentar dormir e apercebeu-se de que estava a suar. Num instante, tinha atirado para o chão a camisa grossa de dormir e voltado a enroscar-se, assim despida, com exceção das calcinhas, entre os lençóis e as almofadas, apreciando a súbita frescura sobre o seu corpo nu.
Porém, logo sentiu a falta de um outro corpo abraçando o seu, aquele corpo tão familiar, tão quente e forte, que tantas noites a envolvera e que ela tantas noites explorara. Sentiu-se subitamente só e perdida, naquela cama demasiado grande para um corpo solitário. Pequenas lágrimas de raiva percorriam os tristes da sua face de menina, gotas salgadas que ela rapidamente limpou, enquanto tomava a sua decisão.
Despontavam os primeiros raios quando, com a mente resoluta, abraçou as pernas e conseguiu, enfim, adormecer.

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