sábado, 4 de setembro de 2010

Parte VII

Cheguei ao recinto do concerto apenas por volta das vinte e duas horas e meia, depois de meia hora perdida. Tinha aproveitado o final do dia para mimar o gatinho, deliciando-nos os dois com a brisa que passava, refastelados em almofadas, no varandim do quarto.

Como se tratava de um encontro de bandas de garagem, não esperava conhecer uma única. Foi o que se passou. Mesmo assim, gostei de duas delas, tanto pelas músicas, como pela presença em palco. Mais inesperado, mas absolutamente inesperado era o modo como toda aquela imensidão de jovens se dava, como se estivessem num festival nacional de grandes dimensões. Toda a gente se cumprimentava, todos se apresentavam, todos se queriam conhecer. Vários universitários recitavam cânticos de praxe que podiam ser respondidos por outros grupos de universitários, surgidos de todos os pontos cardeais. Havia cervejas em todas as mãos e, uma vez por outra, passavam jovens com garrafas com líquidos de tons duvidosos ou sacos prateados que continham litros de vinho barato.

Entre empurrões, berros e muita alegria, creio que apareço em algumas fotografias, ao lado de um monte de gente desconhecida. E há muito tempo que não me divertia tanto. Na saída do recinto, haviam sido instalados alguns cestos onde poderíamos dar a nossa contribuição para o lançamento e promoção destas bandas no mercado. A minha foi generosa.

Nessa noite dormi maravilhosamente, abraçada ao meu Porconi.

Parte VI

Foi nesta altura que uma das cenas mais estranhas que me fizeram se deu.

No final da refeição, após pedir um café, fui rapidamente ao cubículo que servia de casa de banho. Quando voltei para a mesa, um empregado estava a servir-me o café e, ao lado, deixou um papel. Ao abri-lo, li um nome masculino sobre um número de telemóvel. De testa franzida, ergui o olhar para o balcão em busca de uma resposta. O homem que me parecia o responsável do estabelecimento sorriu-me e, ao ver o meu olhar inquiridor, esfregou as mãos num pano e começou a caminhar para mim. Aquilo não era, de todo, o que eu tinha em mente para aquelas férias. Só queria um pouco de espaço e tempo para mim mesma. Mas, se esperava algum tipo de declaração daquele homem semi-careca e com os dentes tortos, mais surpreendida fiquei quando, ao alcançar-me, proferiu:

- Aquele rapaz que estava a repor o buffet achou-a muito bonita mas é envergonhado. Podia dizer-lhe qualquer coisinha, sim?

Completamente atónita, apenas me ocorreu perguntar:

- Mas foi ele quem deu o número?

- Bem, como disse, ele é envergonhado. Precisa de um empurrãozinho…

Lancei um dos meus mais amarelos sorrisos e pedi a conta. Assim que a minha dívida ficou saldada, segui o meu caminho, com a estranha sensação de ter revisitado os tempos de escola primária.

Peguei na bicicleta e voltei para a quinta. Passei lá a tarde que, ainda nublada, estava agora quente, refrescando-me na piscina.

Parte V

O novo dia veio nublado. Uma aragem fresca entrava pelas frestas das portadas. Pedi emprestada uma bicicleta para a manhã e dirigi-me novamente para a aldeia.

No fundo, aquele dia traduzia o meu estado de espírito. Enquanto pedalava, pensava na capacidade da nossa mente se sublevar quando não estamos acordados para a direccionar para as coisas correctas. Sempre tive sonhos muito bem delineados, muito ricos em detalhes – a todos os níveis. Chego a acordar angustiada se estou numa situação que cause isso durante o sonho. E não são sensações que se afastem facilmente, pois é tanto o pormenor que durante todo o dia vou revisitando os sonhos que tive. Pois bem, desta vez não me sentia angustiada mas antes um pouco apreensiva e até melancólica e tudo por causa do sonho que ocupara metade da minha noite.

E assim decidi ir pedalar, arejar a cabeça, maravilhar-me com o mundo.
Mais uma vez vi-me rodeada pela feira do dia anterior. Num canto da praça havia um suporte para bicicletas, onde deixei a minha, presa no cadeado respectivo. Ainda era cedo, mas já podíamos considerar que estávamos na hora de almoço e, de qualquer modo, a pedalada abrira-me o apetite.

Numa das perpendiculares à rua principal, que partiam da praça, encontrei um buffet vegetariano, estabelecimento pequeno e arrojado, com música de fundo e apenas cerca de três mesas.
Entrei.