segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Pontas Soltas III

- Então e depois?

- Depois?

- Sim, depois... depois de atingires o teu objectivo? O que vem depois?

David recostou-se na almofada, apoiando nela o cotovelo e, na mão, a cabeça. Fixou Mariana e começou a fazer desenhos nos lençois com as pontas dos dedos.

- Depois vem um novo objectivo.

- Assim? Quero dizer... se te dedicas a algo, ao teu emprego, a um sonho teu, durante tanto tempo, isso passa a ser parte de ti, a definir-te como pessoa...

Ainda a olhar para ela, nas suas deambulações, de olhos fixos mo tecto, David sorriu e disse simplesmente:

- Reinventas-te! São as melhores oportunidades.

Mariana não respondeu imediatamente.
Depois foi a sua vez de fixar David como que tentando ler nos seus olhos o desenrolar da sua linha de pensamento.

- Então...passas a vida a reinventar-te?

- Mariana, toda a vida são momentos. Não uma sucessão de eventos sem fim. Quando pensas na tua vida até agora, naquilo que alcançaste, no que foste perdendo ao longo do caminho, não pensas em todos os dias com a mesma relevância. Muitos deles já nem fazem parte da tua memória palpável. Foram varridos para debaixo do tapete. Guardas apenas os momentos importantes, felizes ou tristes. Aqueles momentos que contribuiram mais um pouco para moldar a tua personalidade, para te definir como és. No fundo, em que te reinventaste de forma não ponderada. - Fez uma pausa e voltou a sorrir para ela - Simplesmente, quando acabas uma etapa da tua vida, sem iniciares outra prontamente, fazes tu o trabalho de te moldares à nova situação.

Mariana suspirou e voltou a olhar para o tecto, sem saber o que responder; sabia já, sem o saber, que aquela noite seria muito mais do que apenas uma noite e que aquele homem seria o mais importante da sua vida.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Porto Seguro

Andamos todos com máscaras; todos camuflados, escondidos dos outros e de nós mesmos.

Vamos escolhendo portos seguros onde nos abrigar e onde a máscara pode descair ou ser retirada totalmente; pequenos momentos, determinados lugares, um ínfimo número de pessoas.

Por vezes esses portos de abrigo perdem-se e somos forçados a andar à deriva sem saber como nos comportar, o que esconder, o que reter. São momentos difíceis e solitários, momentos de procura e exasperação. E por vezes vemos oásis onde eles não existem realmente e, mais uma vez, incorremos no erro de nos deixarmos resvalar para o nosso verdadeiro âmago. Quando nos apercebemos do erro cometido, já os estragos estão feitos, já mais um momento se perdeu e nada se ganhou a não ser um aperto no peito e uma pressão no fundo dos olhos.

Felizmente, nem sempre nos enganamos e, durante o percurso de procura vamos encontrando alguns portos provisórios que nos sustêm nos momentos difíceis e que nos mantêm com forças que nos permitem chegar a um novo bom porto. Seguro, confortável, nosso.

A todos os meus amigos.

Procura a Maravilha*

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Amo-te Tanto...

«Amo-te tanto.»

E subitamente, toda a vida fez sentido. Duas palavras, assim sussurradas no escuro, fizeram toda a adiferença.

«Amo-te tanto.»

E os bips dos aparelhos em volta como que se silenciaram para não pertubarem aquele momento de ternura genuína.

Suavemente, passava-lhe os dedos pelos cabelos, e o seu carinho acalmava-a e fazia-a sentir que estava tudo bem. Toda a incompreensão do sucedido se dissipava e, assim tranquilizada, podia deixar-se deslizar para um sono sem sonhos, de absoluto repouso, sabendo que acordaria no dia seguinte e que, novamente, aquela voz apaziguadora repetiria

«Amo-te Tanto.»

Procura a Maravilha <3

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Família

Para mim, a família constitui um elo alargado entre pessoas e um importante sistema de suporte. Para quem cresce no seio de uma família grande, feliz, ruidosa e compreensiva, esta torna-se o pilar de apoio a todas a vicissitudes que a vida decidir imputar. É quem torce por nós nas corridas que empreendemos, quem se alegra com as nossa vitórias e nos apoia nas derrotas; é quem tem sempre uma palavra amiga para confortar, ou um olhar sério para repreender. Acima de tudo, é quem nos ajuda a perspectivar os nossos problemas e dúvidas, e nos orienta nos bons e maus caminhos que tomamos.

Mas o que acontece a esta rede de apoio se, subitamente, as malhas são rasgadas? Como aliviar um peso que a vida decide distribuir igualmente por todos os ombros, sem, no entanto, assegurar com isto algum alívio? Como recorrer ao nosso mais importante apoio quando estamos todos tão cegos com a nossa dor que não conseguimos ver a de todos os outros que nos rodeiam?

Se o nosso mecanismo falha, como podemos erguer-nos o suficiente para retomar a malha? Como podemos fazer ver aquilo que, provavelmente, nem nós vemos? Como podemos apoiar e confortar, se não temos quem nos apoie e conforte a nós?

E, se cada um lida à sua maneira com a dor, como poderá compreender que não é a forma como a exterioriza que define a sua intensidade... Assusta-me que, nos momentos em que mais se torna necessária a entreajuda, sejam aqueles que nos tornam mais egoístas e cegos...

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Menina e Menino

    A Menina e o Menino eram inseparáveis. Moravam ao lado um do outro, e tinham crescido a ver-se crescer. Quando iam para a escola, davam as mãos e cantarolavam. Se um se esquecia do lanche, por certo o outro tinha uma maçã para lhe oferecer. Brincavam as mesmas brincadeiras, eram parceiros em todos os jogos e partilhavam todos os segredos.
    E foi neste laço de amizade familiar que foram crescendo. E com esse crescimento, vieram escolas diferentes.
    Se deixaram de se poder ver todos os dias, nem por isso deixaram de gostar um do outro como gostavam, e cada vem que o Menino via a Menina ao fundo da rua ia ajudá-la com a mala, e sempre que podiam lanchavam juntos, debaixo do alpendre de uma das suas casas.
    Mas então as amigas da Menina começaram a dizer-lhe que aquilo era amor. E a Menina acreditou. Se todos concordavam, deviam ter razão. E mais do que as conversas com limonada, começou a querer os seus lábios açucarados.
    Só que os amigos do Menino não o tinham informado do mesmo modo, e mais do que as conversas com limonada, o Menino começou a desejar a companhia de caras bonitas.
Foi com surpresa e com desgosto que a Menina se viu ser assim trocada, sem aviso nem razão aparente, por qualquer outra com uns olhos mais bonitos, mas menos cumplicidade com o seu Menino.
     E como não soube dizer-lhe o que lhe ia na alma – e este foi o seu primeiro segredo – resignou-se com uma retirada para os bastidores de uma história a que já não pertencia.
    Quando os seus olhos voltaram a encontrar-se, foi com esforço que tentaram agarrar-se ao que eram. Mas sem saberem como, já nada era como antes, nem Menino, nem Menina, nem o mundo que tinham construído juntos.
    E, com amor ou sem amor, perderam a amizade de uma vida.

    Procura a Maravilha...

domingo, 3 de outubro de 2010

Areias, o Camelo

«Hum...o quê? Ai...que dor de cabeça!». Abriu um olho, «Bolas, já é dia de novo!». Voltou a fechar o olho, inspirando lentamente o ar húmido e freso da alvorada.

«Hum, lá está aquele aos gritos! Já vai! Já vai... Bolas...». Abriu, desta feita, os dois olhos. espreguiçando-se enquanto focava a vista através da claridade penetrante. Ergueu-se, lentamente. «As minhas costas...au!»

Pé ante pé, aproximou-se do resto do grupo, onde os outros haviam já iniciado o repasto. Um olhar de esguelha fê-lo aperceber-se daquela "cobra" ameaçadora, pronta a saltar-lhe para o flanco se não adiantasse o passo. Foi o que fez. Pancada não é a melhor forma de começar o dia. «Qualquer um deles...Que quase podiam ser o mesmo, tal é a diversidade!», pensou amargamente.

Depois de - vagamente - alimentado, seguiu para a parada do equipamento: as correias e correntes, a boqueira, os suportes metálicos quase impossíveis de transportar e responsáveis por aquelas dores crónicas e silenciosamente suportadas.

A sua mente voou.

O sol erguia-se, agora, com toda a solenidade, por trás daquela colina adiante. A vida agitava-se. Os raios de sol aqueciam; os passos dos restantes elementos do cáfila ecoavam em uníssono sobre as areias escuras, ordenados de acordo com as vozes que se levantavam, provenientes dos atiçadores de "cobras"; as aves iniciavam o seu vôo, com um distinto restolhar de asas. Inspirou lentamente e uma pancada seca fê-lo iniciar a marcha, concentrando-se na regularidade dos passos. Pois de que vale queixar-se? Imediatamente aqueles olhos pequeninos se contraem e a "cobra" ataca.

Resignação. Diziam-lhe ser uma bela palavra para aprender, fizar e...apreciar? «Hum...resignação. E paciência...». E esperança. «Sim, esperança. Não é assim tão difícil consegui-la. Não quando, apesar de toda a tortura física, dia após dia, se erguem a toda a volta dunas escuras do tamanho de montanhas». Embora o trabalho inclua apenas um trilho definido, pisado e repisado, que segredos se encontram para lá das colinas? «Quantos outros trilho não haverá a toda a volta? Quantas mais colinas para transpor? Quantos mistérios?»

Uma vontade súbita de fugir assomou-lhe ao fundo da garganta. Um desejo intenso de ganhar asas, como os pássaros, e largar tudo, sem impedimentos, sem olhar para trás.

«E porque não? A vida espera-me lá fora, mais intensa que esta rotina de todos os dias, do temor físico, das ordens incompreensíveis!» O seu espírito agitava-se e gritava, enquanto se acomodava na areia à espera das primeiras cargas. «Um dia serei livre de percorrer todos esses trilhos, todo esse espaço que se ergue à minha volta, sem correntes nem "cobras", nem cáfila. Até lá tenho a minha resignação e paciência. Até lá tenho os meus sonhos.»

- Mamã, mamã! Vamos andar de camelo! Olha mamã! Estou em cima do Areias! Anda Areias! Mais depressa.

Pelos direitos dos animais.

Procura a Maravilha.

sábado, 4 de setembro de 2010

Parte VII

Cheguei ao recinto do concerto apenas por volta das vinte e duas horas e meia, depois de meia hora perdida. Tinha aproveitado o final do dia para mimar o gatinho, deliciando-nos os dois com a brisa que passava, refastelados em almofadas, no varandim do quarto.

Como se tratava de um encontro de bandas de garagem, não esperava conhecer uma única. Foi o que se passou. Mesmo assim, gostei de duas delas, tanto pelas músicas, como pela presença em palco. Mais inesperado, mas absolutamente inesperado era o modo como toda aquela imensidão de jovens se dava, como se estivessem num festival nacional de grandes dimensões. Toda a gente se cumprimentava, todos se apresentavam, todos se queriam conhecer. Vários universitários recitavam cânticos de praxe que podiam ser respondidos por outros grupos de universitários, surgidos de todos os pontos cardeais. Havia cervejas em todas as mãos e, uma vez por outra, passavam jovens com garrafas com líquidos de tons duvidosos ou sacos prateados que continham litros de vinho barato.

Entre empurrões, berros e muita alegria, creio que apareço em algumas fotografias, ao lado de um monte de gente desconhecida. E há muito tempo que não me divertia tanto. Na saída do recinto, haviam sido instalados alguns cestos onde poderíamos dar a nossa contribuição para o lançamento e promoção destas bandas no mercado. A minha foi generosa.

Nessa noite dormi maravilhosamente, abraçada ao meu Porconi.

Parte VI

Foi nesta altura que uma das cenas mais estranhas que me fizeram se deu.

No final da refeição, após pedir um café, fui rapidamente ao cubículo que servia de casa de banho. Quando voltei para a mesa, um empregado estava a servir-me o café e, ao lado, deixou um papel. Ao abri-lo, li um nome masculino sobre um número de telemóvel. De testa franzida, ergui o olhar para o balcão em busca de uma resposta. O homem que me parecia o responsável do estabelecimento sorriu-me e, ao ver o meu olhar inquiridor, esfregou as mãos num pano e começou a caminhar para mim. Aquilo não era, de todo, o que eu tinha em mente para aquelas férias. Só queria um pouco de espaço e tempo para mim mesma. Mas, se esperava algum tipo de declaração daquele homem semi-careca e com os dentes tortos, mais surpreendida fiquei quando, ao alcançar-me, proferiu:

- Aquele rapaz que estava a repor o buffet achou-a muito bonita mas é envergonhado. Podia dizer-lhe qualquer coisinha, sim?

Completamente atónita, apenas me ocorreu perguntar:

- Mas foi ele quem deu o número?

- Bem, como disse, ele é envergonhado. Precisa de um empurrãozinho…

Lancei um dos meus mais amarelos sorrisos e pedi a conta. Assim que a minha dívida ficou saldada, segui o meu caminho, com a estranha sensação de ter revisitado os tempos de escola primária.

Peguei na bicicleta e voltei para a quinta. Passei lá a tarde que, ainda nublada, estava agora quente, refrescando-me na piscina.

Parte V

O novo dia veio nublado. Uma aragem fresca entrava pelas frestas das portadas. Pedi emprestada uma bicicleta para a manhã e dirigi-me novamente para a aldeia.

No fundo, aquele dia traduzia o meu estado de espírito. Enquanto pedalava, pensava na capacidade da nossa mente se sublevar quando não estamos acordados para a direccionar para as coisas correctas. Sempre tive sonhos muito bem delineados, muito ricos em detalhes – a todos os níveis. Chego a acordar angustiada se estou numa situação que cause isso durante o sonho. E não são sensações que se afastem facilmente, pois é tanto o pormenor que durante todo o dia vou revisitando os sonhos que tive. Pois bem, desta vez não me sentia angustiada mas antes um pouco apreensiva e até melancólica e tudo por causa do sonho que ocupara metade da minha noite.

E assim decidi ir pedalar, arejar a cabeça, maravilhar-me com o mundo.
Mais uma vez vi-me rodeada pela feira do dia anterior. Num canto da praça havia um suporte para bicicletas, onde deixei a minha, presa no cadeado respectivo. Ainda era cedo, mas já podíamos considerar que estávamos na hora de almoço e, de qualquer modo, a pedalada abrira-me o apetite.

Numa das perpendiculares à rua principal, que partiam da praça, encontrei um buffet vegetariano, estabelecimento pequeno e arrojado, com música de fundo e apenas cerca de três mesas.
Entrei.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Parte IV

Sentia esta necessidade de me sintonizar com o novo ritmo, longe do meu mundo de intenso e desorganizado trabalho. Foi assim que decidi tirar este primeiro dia apenas para relaxar.

A hora de maior calor foi passada comigo estendida na cama, usando a solidão para por em dia a leitura de algo que não se relacionasse com toda a realidade à minha volta. O Porconi espreguiçava aos meus pés e ia ronronando de forma ritmada no seu sono leve.

Ao fim da tarde, fui passear a pé para conhecer a aldeia envolvente. O ambiente era calmo, quente, com um suspiro de fundo criado pelos grilos e algumas gargalhadas de crianças. Na praça central, desenrolando-se em torno de uma pequena fonte com simbolismos religiosos e à frente de uma igreja, havia uma pequena feira de manufactura e velharias. Rodei pelas bancadas coloridas, perdendo-me na imensidão de brincos, pulseiras, lenços, malas, pregadeiras, moedas de colecção, postais antigos e louça usada. Acabei por comprar uma coleira de cabedal com arabescos vermelhos e um guizo da mesma cor para o meu gatinho.

Entrei na Igreja e deixei-me ficar sentada no banco do fim, a observar as decorações religiosas, de grande simplicidade e alguns brocados a imitar rococó. Havia duas senhoras sentadas em bancos mais à frente, separadas, de cabeças baixas e murmurando para as mão entrelaçadas. O ambiente era tranquilizador e de esperança; perguntei-me que ajuda estariam aquelas mulheres a pedir e, por momentos, desejei saber como seria acreditar numa entidade superior ue estivesse a olhar por nós e a cuidar do nosso bem estar.

À saída da igreja, um jovem distribuía panfletos a anunciar uma junção de bandas que ocorreria na noite seguinte. Poderia tornar-se um programa...

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Parte III

- Desculpe, querida, bom dia! - era a responsável da quinta. Balbuciei um cumprimento desajeitado enquanto procurava sentar-me para fitar a minha interlocutora. - Temos ali tudo posto para o pequeno-almoço. É tudo caseiro, desde o pão às compotas. Não quer experimentar?

De facto, a perspectiva de uma carcaça acabada de cozer, com uma colher de manteiga a derreter abria-me o apetite, já quando vinha a descer para o exterior.

Levantei-me com um sorriso e dirigi-me para uma mesa à sombra, no alpendre. A minha senhoria ofereceu-me café e, enquanto o servia, eu fui em busca do meu pãozinho com manteiga, à mesa de madeira coberta com lona.

Saboreei sem presas o pequeno repasto, toda eu sorrisos e calma, uma dentada de cada vez, intervalada com um gole do café forte, feito instantes antes.

Agradeci novamente a hospitalidade e voltei para o meu pareo e a minha relva penetrante, mas fiquei apenas sentada uns segundos antes de me decidir experimentar a água da piscina.

Estava fria, e senti o meu corpo debater-se entre o agradável calafrio que me percorreu a espinha, contrastando com o calor opressor que se impunha, e o contrair dos pés perante a calidez inesperada. E enquanto processava esta informação, o corpo habituou-se à temperatura e foi com um suspiro prazenteiro que me atirei para a frente, mergulhando de cabeça e sentindo-me leve no meio de toda aquela água.

Aflorei à superfície, sorrindo continuamente. Já me havia esquecido do prazer de sermos abraçados por todas aquelas ínfimas gotas que nos tornam leve o corpo e o espírito e nadar, e perufurar a água, mexendo-me, cansando-me e adorando simplesmente sentir-me tão livre!

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Parte II

Alugava, por um preço incrivelmente baixo, aquele quarto numa espécie de quinta, bem o interior do Alentejo. A casa funcionava como um turismo de habitação, quarto com casa de banho, piscina, equitação e pequeno almoço incluídos. Permitidos animais.

O cheiro de pão quente vinha do forno a lenha que havia no recinto e uma velhinha enrugada - provavelmente familiar da responsável que me acolhera - dispunha as coisas do pequeno almoço numa mesinha de madeira rústica, coberta por uma tenda de lona que fornecia uma já necessária sombra.

Um "Bom Dia!" sorridente e dirigi-me para a zona da piscina. Havia cadeiras longas espalhadas mas eu queria sentir de perto todas as sensações, incluindo as providenciadas pela relva. Estiquei o pareo na erva grossa e sentei-me, começando a sessão de creme protector. A relva estava seca mas sentia-se ainda um ligeiro cheiro a terra molhada, provavelmente devido à rega matutina. A água da piscina resplandecia, reflectindo, em minúsculas ondulações, o sol que ia subindo no céu. Estendi-me ao longo do pareo sentindo a relva picar-me as costas e as coxas, como se mantivesse, entre ela e a minha pele, um contacto directo.

Deixei-me ficar assim deitada uns momentos, sentindo a relva nas costas e o sol no ventre, inspirando longamente o ar repleto de pão quente e terra húmida. Ouvia-se o restolhar das folhas e a galhofa dos pássaros, nos ramos das árvores, e eu só queria que aquela paz se entranhasse em mim.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Parte I

O dia clareava abafado naquela manhã de Agosto. Pela janela aberta, o calor entrava com um esvoaçar das cortinas e eu podia sentir os raios que me beijavam o corpo descoberto no emaranhado de lençóis que teimava em prender-se-me às pernas.

Mesmo já plenamente consciente, as pálpebras recusavam abrir-se, estranhando aquela luz meridional e indiscreta e impedindo-me de me apoderar totalmente dos meus sentidos e levantar-me para dar os bons dias as minhas tão merecidas e adiadas férias.

E então Porconi, o meu gato angorá, espreguiçou-se ruidosamente, no preciso momento em que o delicioso cheiro a pão acabado de cozer entrava, sedutor, do meu pequeno quarto.

Com um despreocupado bocejar sonoro, permiti que o meu corpo se esticasse lentamente, articulação por articulação, com um agradável estalar, deixando para trás o entorpecimento nocturno.

Atirando o que restava dos lençóis para fora da cama, pus-me de pé num salto e puxei a velha t-shirt com que dormira, despindo-a pela cabeça.

Neste estado de semi-nudez - é tão bom sentir esta liberdade! - dirigi-me para a casa de banho para me refrescar para o dia.

E estava na altura de estrear as minhas novas coisinhas - com amor de mim para mim: o meu biquíni vermelho, o pareo em tons flamejantes e o meu novíssimo - e ansioso por ser estreado - creme bronzeador (com protecção!).

Um longo abraço ao meu Porconi, um iogurte líquido na mala e uma maçã para a descida, lá fui eu para o Paraíso na Terra.

Férias de Sonho - Com umas Pinceladas de Realidade

Estamos de férias. E, para aproveitar em cheio estas semanas, parece-me, por bem, deixar de lado alguns pensamentos e desabafos mais introspectivos. É por esse motivo que vou escrever - e partilhar - as minhas férias de sonho. Com isto quero dizer que vou inventar as minhas férias, pegando naquilo que já vivi e naquilo que vou vivendo e vou romancear esses dados para criar os meus ambientes e personagens. Se alguém se identificar, para o bem ou mal, espero que não se zanguem; só quero ter algum material. =)

Beijinhos e Boas férias a Todos!!

Procura a Maravilha

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Saberei Amar?

Saberei eu amar? Serei capaz de estabelecer esse elo que une incondicionalmente duas pessoas uma à outra?

Mistifiquei o amor. Tornei-o o meu objectivo de vida. Experimentei-o e vi-o esmorecer. Provei o fel que me ficou do amargo fim. Agora procuro um equilíbrio entre o amor e a realidade, procuro o amor real, não o amor desvairado, tórrido e intenso que lemos nos livros e que nos tira o fôlego e, normalmente, termina em tragédia ou com um irreal "e viveram felizes para sempre" como se o único enredo que contasse fosse o do encontro desses dois pedaços de alma.

Mas não sei onde procurar... Não sei o que procurar... E, portanto, não sei se sei de todo o que é amar... o que hei-de esperar e o como distinguir de entre os acontecimentos que se vão desenrolando na minha vida. A única coisa que sei é que falta algo para me sentir preenchida, mas não sei se sei dar-lhe nome. E, em sendo, serei eu egoísta ao ponto de o procurar desenfreadamente para preencher os meus desígnios, ou terei a capacidade de dar na mesma medida em que recebo? E é esta minha última frase a essência do amor? Ou será que nem nisso acertei?

Não me julguem mal, não escrevo angustiada... São ideias que me surgem e às quais não sei dar forma e duvido que alguém saiba de todo responder ... às tantas trata-se mesmo disso: de uma característica inerente a cada um, que nunca servirá de resposta para qualquer outro. A sua forma única de amar e a prender a crescer com esse amor.

Estou novamente a divagar.
Presumo que responderei à pergunta se algum dia me apaixonar novamente... Será?


Procura a Maravliha

sábado, 31 de julho de 2010

A Linha do Discernimento

Até que ponto seremos nós influenciáveis? Quais são os factores que determinam os nossos comportamentos perante as situações que se nos deparam, sejam elas boas ou más?

Quando crianças, temos por exemplo aqueles que nos criam e que procuramos a todo o custo imitar, por forma de obtermos a sua aprovação. Mas o que determina a escolha da figura que vamos seguir? Porque somos mais tentados, desde pequenos e ainda com tão pouca informação, por uma das figuras da nossa vida?

E o que faz com que haja depois o desprender dessa imagem para começar a procurar peças nos restantes indivíduos com que nos vamos cruzando? Todos temos os nossos heróis, aqueles a quem admiramos e procuramos imitar. Claro que falo da minha experiência e daquela que, em princípio, será a de quem me é próximo pois, felizmente, não sofremos episódios que possam, de forma mais abrupta e traumática, delinear as nossas personalidades. Esses casos serão ainda mais complexos, em meu entender - que, verdade seja dita, é escasso nesta matéria.

Enquanto crianças, quantas vezes não ouvimos dizer ou dissemos mesmo "E se me atirar de um poço, também te atiras?".

Quando se dá a rotura? Ou, mais propriamente, como? O que nos faz começar a tomar-nos a nós em consideração? E como é que se estabelece a linha entre aquilo que os outros fzaem nos afceta e nos leva a copiá-los e a nossa própria individualidade e voz interior?

Não sei, não consigo dizer. as por vezes incomodam-me as atrocidades que muito boa gente comete por influências alheias e pergunto-me o que fez resvalar o balanço do discernimento para o lado - errado - do copycat. Mais assustador é pensar que todos - incluindo eu - estamos sujeitos a esse perigo.

Se não sabemos o que define os dois lados desta ténue linha, saberemos controlá-la?

Opiniões Aceitam-se.
E Não se esqueçam...

...Procura a Maravilha

terça-feira, 27 de julho de 2010

As Cores da Vida

E então olhou para as cores que tinha à sua disposição e decidiu chamar-lhes primárias. E estabeleceu que todas as demais proviriam delas. E como primárias que eram, seriam também determinantes dos elementos primordiais da vida.
Fez então brilhar o Sol e trouxe toda a claridade e todo o desvendar da beleza do mundo em seu redor. Com o sol cresceram as plantas, os seus caules verdes brotando vigorosamente do chão. Depois as flores, enchendo tudo de cor e alegria, diversidade de formas e odores.
Como que por magia, pincelou-se o mar de azul, e toda a sua imensidão espelhou-se no céu invejoso, que chamou a si as demais características da água, armazenando o ar em formas finas, confinadas no seu branco espumoso, que lançavam pequenas gotículas de vez a vez. Foi altura de o mar dar de si e sobrepor-se ao céu e então tornou-se tumultuoso, as ondas rebentando contra as rochas e criando a espuma salgada e fofa.
Por fim, pôs o sangue a correr nas veias, infindáveis rios de vermelho que fizeram vigorar a vida. Deu o rubor à tez e a dor ao corpo; deu o sabor à boca e a forma ao coração. E com ele surgiram os batimentos e os anseios e os sentimentos e o amor.
E todo o mundo se tornou uma festa de sensações, cores, cheiros, ritmos e loucuras. E valeu a pena a Vida.


"Procura a Maravilha" <3

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Entre as Ameias - II

Acreditas em sonhos premonitórios?

A voz da rapariga era inesperadamente grave. Mantinha, no entanto, toda a doçura de uma voz feminina, com um timbre delicado e maravilhoso.

O rapaz não lhe respondeu. Mas ela continuou o se monólogo.

Já me aconteceu... às vezes convenço-me que os sonhos traduzem as nossas aspirações ou receios... outras vezes, servem apenas para ordenar na nossa mente os acontecimentos de um dia intenso e preenchido. Mas já tive sonhos que se realizaram... Sabes...?

Baixou a voz.

Acho que sonhei contigo ainda antes de te conhecer.


Ele apenas deixou um dos cantos da boca formar um meio sorriso. Mas ela mantinha-se de costas; era indiferente. Já sabia como as coisas funcionavam no mundo estranho que era aquela linda cabeça de anjo. Não valia a pena discutir. Aprendera a deixar-se levar para esse mundo e gostava desses devaneios momentâneos. Afinal, era o motivo pelo qual se apaixonara por ela.

Estávamos num jardim... Era lindo. Eu estava a ler e o meu lenço voava. E quando começava a correr para o apanhar esbarrava com o ser mais belo, um autêntico Adónis de sangue quente e respiração doce, que me olhava surpreendido enquanto aarrava o meu lenço bem firme acima da cabeça.

Sorriu.
Ele levantou-se e veio por-se a seu lado, acariciando-lhe o cabelo.

Sou um Adónis?


Ela fitou-o com os seus olhos sonhadores e um sorriso encantador.

És! És o meu Adónis. E tive a certeza de te ter encontrado, quando tropecei em ti e te enterrei debaixo de todos aqueles livros e pastas! Tinhas o mesmo ar maravilhosamente interrogador que o do sonho... e estávamos...

...Em plena cidade!


Ele ria-se.

Mas havia relva em volta!

Como deve ser bom viver nesse teu mundo...


Ora... é o mesmo que o teu! Apenas o vemos de formas diferentes...


O telefone tocou.
Ele acordou sobressaltado, mas já não ia a tempo de atender a chamada.
Viu o nome. Menos mal... Também não teria querido atender...
Sentia-se em harmonia com a vida depois daquele estranho sonho. Não queria perder isso falando com ela. Não nessa noite.


"Procura a Maravilha"

domingo, 27 de junho de 2010

Entre as Ameias - I

O dia estava quente mas o sol escondia-se atrás das nuvens. A luminosidade era estranha e ofuscante, e no entanto extremamente apelativa. Seria o dia perfeito para a reportagem fotográfica que se propusera fazer para participar num concurso nacional que decorreria dali a um mês. O local estava escolhido havia muito e faltava-lhe apenas sentir aquele formigueirozinho que lhe activava o radar de fotógrafo. Aquela foi a manhã em que surgiu.

Atou os sapatos gastos e vestiu uma velha t-shirt da Coca-Cola por cima das calças de ganga coçadas. Nada lhe dava mais prazer que trazer ao de cima esta sua faceta desleixada que em tudo contradizia o seu quotidiano rigorosamente traçado, marcado e sério. As suas sessões de fotografia permitiam-lhe escapar da realidade e davam-lhe o ânimo para nunca se fartar daquilo em que se tornara.

Era livre.

Pegou nos óculos de sol, na carteira e chaves do carro, e depositou a alça da mala das máquinas por cima do ombro.

Chegou ao castelo por volta das 12 da manhã. O calor anunciava-se de forma flagrante, conquanto apenas uns tímidos raios de sol espreitassem por entre as nuvens.

Sob este céu carregado distinguiam-se as imponentes ameias que resguardavam o que antigamente teria sido uma cidade e que, actualmente, se apresentava como uma curiosidade turística, com todos os conceitos a ela associada.

Comprou um gorduroso cachorro quente com o qual pretendia deliciar-se enquanto se encaminhava para o antigo auditório, de onde teria um panorama que lhe permitiria escolher as paisagens do seu portfolio.

Mal acabara de pisar o último degrau quando se lhe deparou o cenário mais perfeito que poderia ter escolhido, como se as personagens tivessem sido escolhidas a dedo, num casting oficial, de propósito para satisfazer os seus intentos.

Bem centrada no seu ângulo de visao, encontrava-se uma jovem, sentada de costas para si, encaixada entre duas ameias, com as pernas para o exterior da fortaleza. Uma posição um tanto vertiginosa, em seu entender.

O vento fazia esvoaçar delicadamente as curtas mangas do vestido amarelo-suave que evergava, e as fitas do enorme chapéu de palha e abas de um carmim ofuscante.

Imediatamente pegou na sua máquina e, discretamente, focou a jovem. Não gostando do plano centrado, desviou um pouco a perspectiva e deu com o perfeito par para completar a tela: um rapaz espraiava-se de encontro às muralhas, de olhar vazio e pensamento longe, numa típica postura de espera.

Enquadrou-os a ambos e fotografou-os em tons de cinza. O resultado foi divino, como que tirado de um filme de época. Quedou-se por ali nos minutos que se seguiram e seguiu o desenrolar da cena com o rolo da sua máquina. Porém, no último instante de uma das fotografias, a rapariga levantou o rosto, fixando o olhar na sua direcção. Não querendo ganhar a fama de invadir a privacidade alheia, considerou aquela como a deixa para se retirar, e seguiu para casa.

Passou o final de tarde escondido na sua câmara escura de improviso, avaliando o resultado.

Quando todas as imagens tinham sido reveladas, depositou-as na mesinha do café, ordenadas e recostou-se na poltrona, deixando a mente divagar.

O calor entorpecia-lhe os membros e a mente toldava-se-lhe entre o fumo do cigarro acabado de enrolar e do whisky que ia beberricando. Neste estado de torpor, não lhe pareceu estranho que as duas figuras ganhassem volume e vida, e sussurrassem a sua história.


"Procura a Maravilha" ;)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

É como acordares de um sonho. De um sonho bom. É aquela sensação de te aperceberes que… acabou! Não vale a pena invocares. Não vais voltar a sentir. Podes lembrar-te das sensações… Se bem que o mais provável é que até acabes por moldá-las um pouco de encontro aos teus interesses. E sentes que não podes voltar atrás. Sentes, sobretudo, talvez, uma certa tristeza pela ilusão se ter desfeito, por te teres apercebido que foi um sonho e que por mais que o chames até ti não consegues tê-lo de volta e, em boa verdade, nunca o tiveste realmente. E sente-lo desvanecer…até que se apaga totalmente…
A única diferença é que não foi um sonho. Foi real. Existiu e tu sentiste-o. Não imaginaste as sensações, não invocas um sentimento abstracto. Esteve lá. Ele esteve lá. Amaste, riste, beijaste, choraste, tocaste, sentiste, brincaste, partilhaste, tremeste, vibraste… E ele esteve lá. E era o motivo pelo qual sentias tantas coisas e tantas coisas ao mesmo tempo. E depois acabou. E tal como um sonho bom que tentas agarrar mantendo os olhos fechados, fazes um esforço para não te desligares de tudo o que sentiste, de tudo o que te fazia sentir viva e te dava um significado à coisa mais ínfima!
Tentas agarrar-te. Mas é inevitável que a lembrança esmoreça, que o tempo passe e minimize a importância. E é natural que ao longo do dia – ao longo da vida – vás invocando as imagens, os pensamentos, as emoções… podes até sentir-te como se revivesses o momento… mas vai-se desintegrando, quase imperceptivelmente. E quando dás por ti, a própria invocação já quase não tem sentido, já não sabes porque procuras essa imagem e raramente ela te surge de forma espontânea. “É o tempo”, diz-se, “o tempo cura tudo”. Mas sentes um vazio… e tens de o preencher, mesmo que para tal procures as emoções mais fortes… Que doem. Ou então… tens um novo sonho bom…
Algumas feridas sararão mais lentamente…ou nunca… só o tempo dirá… Mas também se diz que não há como o primeiro amor. Parece-me que as feridas desse serão as mais difíceis de passar.
“O tempo cura tudo”…incluindo o vazio do fim de uma ilusão?


Dobrou a folha em quatro e pô-la no bolso das calças.
Apanhou um táxi e dirigiu-se ao local onde o vira partir. Ajoelhou-se na terra e reviveu a emoção da despedida enquanto cavava um pequeno buraco na terra e escondia debaixo dela a sua última carta.
Suspirou, secou os olhos com as costas da mão suja e ergueu a cabeça, deixando-se embalar pelos raios quentes do crepúsculo.
“Agora basta!” Sussurrou. E seguiu para a vida, sem olhar para trás.

"Procura a Maravilha"...

sexta-feira, 18 de junho de 2010

As palavras que nunca te direi....

Não, não és tu. Não nesse sentido... Não é a maneira como falas agora, não é o que dizes, nem o que fazes (sim, de certeza que não é o que fazes!)... É aquele "tu" que fazia parte do "nós", aquele "tu" que surgiu com um diferente "eu" e que era perfeito para ele...

Agora não procuro em ti esse "tu", porque já nem encaixa, nem tu agora encaixas...mas ainda assim dói, porque nos perdi aos dois e porque, ao perder-nos aos dois, perdi uma grande parte de mim, uma grande parte das minhas convicções e até mesmo da minha capacidade de amar. Perdi grande parte da minha ingenuidade e não gosto deste confronto com a realidade.

Sim, sinto-me sozinha, mas tenho medo de me aventurar... Vai ser complicado sair desta encruzilhada... Tenho medo disso, de me sentir perdida... mas do que serve dizer-to a ti?

É complicado... as memórias desvanecem-se e a verdade é que tu já não correspondes a ti... Tanto porque tu mudaste como porque a minha concepção de ti mudou... E as memórias são cada vez mais escassas...

Talvez seja melhor assim.


Anyway... "Procura a Maravilha!"

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Pergunta à Lua

A noite era de lua cheia, mas naquele lugar ermo, longe de tudo o que conhecia, a escuridão adensava-se por baixo das copas de ciprestes cerradas. De mente vazia, deixou-se vaguear, percorrendo o trilho que os seus pés escolhiam, como que separados por uma essência própria.

O silêncio era absoluto e oprimia-lhe os ouvidos e os sentidos. Seguia como sonâmbula, em busca de um poiso que sabia estar à sua espera. Escutava os grilos que clamavam para si a noite, mas não os ouvia; mirava os escassos pirilampos que ousavam quebrar o breu, mas não os via. Estava até alheia ao sincronismo das suas passadas, do seu respirar e do bater do seu coração.

Por fim, uma prega de luz atreveu-se a espreitar por entre um escassear da folhagem mais rasteira e, sem sobressalto, despertou do seu transe, abriu os ouvidos à respiração, aos batimentos, ao suspiro das folhas, ao tinir dos grilos e ao suave marulhar que lhe chegava de mais ao fundo. Toscas escadas de betão davam acesso a uma plataforma sisuda, com possibilidade de guarida a um único batel de aspecto gasto, que balançava com o dançar do rio.

Desceu devagar, sentando-se com um suspiro no último degrau, pés apoiados na plataforma. Enlaçada pela suavidade da noite, da água, da brisa, ergueu os olhos para o céu, percorreu a imensidão de estrelas – tão nítidas naquele retiro – e fixou-os na lua, naquela esfera cheia, perfeita e brilhante, que aquecia por dentro…

Porquê…? Deixou os lábios desenharem.
Porquê…? O seu olhar perdia-se na beleza da lua.

Não se deu por adormecer. Não notou o frio da madrugada, nem o orvalho da manhã. Mas quando o sol lançou sem piedade os raios fortes contra o seu corpo abraçado, acordou com a certeza de ter falado com a lua e de ter encontrado a sua resposta.

Descobre-te a ti mesma e descobres o teu propósito.


"Procura a Maravilha"

terça-feira, 8 de junho de 2010

De tirar o Sono

Começamos a chegar à fase adulta e lá se vai aquela eterna tranquilidade de criança e a bela curiosidade infantil de procurarmos familiarizar-nos com o estranho mundo que nos rodeia.
A verdade é que, por vezes, só nos apetece fechar os olhos e tapar os ouvidos, fingir que há coisas, ideias, acontecimentos que não têm lugar. A falta de resposta ou de lógica para esses eventos é extremamente assustadora. Já, por vezes tive dificuldade em adormecer por causa desses pensamentos tumultuosos, e sei que não sou a única. Até que ponto nos podemos deixar influenciar?
Aquilo que me tira o sono é pensar que não existe livre arbítrio, que somos comandados por alguma força superior, suponhamos, um geek de computadores que se diverte com um emulador de personagens. É horrível pensar que poderemos ser algo tão insubstancial como isso.
Hoje mais uma pessoa ficou sem dormir por ter lido uma notícia acerca da inversão dos pólos magnéticos - atrasada milhões de anos - que alguns cientistas dizem estar para breve (2012?)... Seríamos vaporizados da Terra, em seu entender. A minha ignorância tranquiliza-me pois não sei os efeitos que tal alteração terá nas vidas terrestres...Acho que prefiro manter-me assim... Além disso, ja foram tantos os falsos alarmes do fim do mundo, que mais parece a história do Pedro e do Lobo.
Mas compreendo que cada um tem o seu tipo de dúvidas existenciais, os seus medos, as suas angústias. E crescer passa, não só por ter este tipo de pensamentos, mas por ter a maturidade de lidar com eles e saber quando devemos simplesmente esvaziar a cabeça e dar um mergulho no mar, ou ler um livro...

Ou estudar química orgânica!!

Acima de tudo...
"Procura a Maravilha"!!!!!!

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Rótulos

Estou presa. Presa em mim. Presa aos meus pensamentos que não são verdadeiramente meus. Posso ser extremamente arrogante e quase auto-destrutiva ao dizer que sou o fruto de uma sociedade mesquinha e preconceituosa, má e intolerante. Ou então posso ser mais suave e benevolente comigo mesma e dizer que vivo com um pé na realidade e outro na utopia. Tenho uma data de ideias pré-concebidas que passei toda uma infância a ornamentar e sem as quais parece que as coisas à minha volta não funcionam. Como se tudo se devesse encaixar na perfeição nas minhas concepções, devidamente catalogado e arrumado nos seus lugares, muito organizadinho. E acabo por não me permitir entender que as pessoas são demasiado complexas e imprevisíveis para poderem ser rotuladas dessa maneira! Acabo por não me permitir a mim mesma ser complexa e imprevisível e tudo o que foge à minha concepção do normal e certo é simplesmente assustador e inadmissível E quem é mais afectada por estas questões sou eu mesma! É incrível o quão permissiva consigo ser com a maioria das pessoas, o quão compreensiva, e não o conseguir fazer para mim.
Sou a minha maior crítica e rotuladora… Preciso de uma mudança; preciso de deixar de ter medo e viver as coisas como apenas mais uma experiência, importante e recompensadora.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Pontas Soltas II


A fila para o café parecia interminável. Com um suspiro resignado, acomodou a pasta debaixo do braço e tomou a sua vez.
Os seus ouvidos foram invadidos pelo burburinho dos grupos de pessoas que se dispunham por toda a sala. Tornava impossível qualquer pensamento… o que não era inteiramente mau. Havia dias que preparava aquela apresentação, não se justificavam quaisquer acrescentos de última hora, mas ao mesmo tempo, o zurzido de fundo prevenia distracções.
Quaisquer distracções.
E no entanto, quando chegou a sua vez de tirar café, o ruído da máquina rasgou o silêncio absoluto que se impusera. Seguindo a direcção de todas as cabeças, deparou-se com uma jovem que acabara de entrar no edifício e percorria descontraidamente a sala, em direcção ao auditório. Usava uma saia bege pregueada pelos joelhos, e uma camisa branca, simples, com as mangas arregaçadas pelos cotovelos, e apoiava, nas mãos juntas, uma pasta fina de cabedal. Andava direita e confiante como se o efeito da sua presença parecesse não a atingir; mas a sua expressão era uma mistura de censura e divertimento, revelada pelo ligeiro franzir das sobrancelhas e o meio sorriso que lhe apertava os lábios rosados.
O seu inesperado alheamento, enquanto avaliava a criatura que criara toda aquela atmosfera, fê-lo esquecer-se do copo que tinha na mão entornando café sobre os sapatos, no momento em que ela atravessava a porta do auditório. Um segundo depois, o burburinho regressava, ainda mais intenso, mas não o suficiente para abafar o seu praguejar. Ainda não fizera a sua apresentação e parte da sua imagem já estava manchada. Desta feita, foi para ele que as cabeças todas se viraram e, corando um pouco, pediu desculpa.
Sentiu um toque no seu ombro, e virou-se para fitar um homem de meia-idade, de barba bem aparada e grisalha, que lhe sorria de forma simpática.
- Sabe meu caro, as aparências enganam. Não fique tão engasgado com uma mulher só porque ela é bonita… Quem frequenta estas andanças sabe que não há beleza que supere a sua loucura. Não, não se trata de uma doente mental, não faça essa cara! Mas digamos que… vive num mundo à parte, se assim se puder dizer. Uma mulher extraordinária…Podia ser argumentista de cinema!
Terminou o discurso com duas palmadas nas costas e seguiu o seu caminho.
David acabou de beber o seu café e dirigiu-se ao auditório.


"Procura a Maravilha"

sábado, 29 de maio de 2010

Pedacinhos de Alma

Pego mais uma vez no filme "Before Sunset" (pergunto-me porquê...=P) desta vez para partilhar parte de um trabalho que fiz o ano passado.

“Ok, este foi o meu pensamento: há 50’000 anos não havia sequer um milhão de pessoas no planeta. Há 10’000 anos havia, talvez, dois milhões de pessoas no planeta. Agora, há entre cinco e seis mil milhões de pessoas no planeta, certo? Então, se temos todos a nossa própria, tipo, individual, única alma, de onde é que todas elas vieram? Percebes… serão as almas modernas apenas uma fracção das almas originais? Porque, se são, isso representa uma divisão de 5’000 para 1 de cada alma nos últimos 50’000 anos que é um pontinho no tempo da Terra. Portanto, na melhor das hipóteses, nós somos estas pequenas fracções de pessoas, percebes, a andar… Quero dizer, será por isso que andamos tão espalhados? Será por isso que estamos tão especializados?”

Para mim, a reincarnação é pouco plausível. Considero que, como entidades biológicas que somos, como resultado de reacções químicas, assim também, ao perecermos fisicamente, desaparecemos de todo. Pelo menos enquanto entidade única e individual. Não creio que haja uma divisão entre o corpo e a consciência. Considero a consciência uma das funções orgânicas do nosso corpo e, tal como o nosso coração cessa os batimentos e os outros órgãos deixam de funcionar, também a consciência cessa com o terminar da actividade neurológica, cerebral.

A ideia de que não há um fim absoluto é, no entanto, uma ideia acima de tudo apaziguadora. Não tenho qualquer dúvida que um religioso devoto, que acredite piamente na salvação da alma, terá uma posição muito mais tranquila relativamente à morte do que aqueles que, como eu, não crêem nessa possibilidade.

Então, porque não deixar-me encantar? Porque não permitir-me imaginar um mundo para além do nosso, para além do próprio material? Não aceito, porém, que voltemos vezes sem conta ao mundo para corrigirmos erros de vidas passadas até atingir a perfeição plena ou, como já ouvi dizer – e quase me revolta – para redimirmos uma outra alma. Mesmo isso exigiria o fim. E o próprio conceito de perfeição é uma ideia abstracta e inatingível, criada por nós; um objectivo a atingir.
Mas porque não pensar nesta possibilidade de cada um de nós ser uma porção de alma? Consigo render-me a essa mística.

“Percebes… serão as almas modernas apenas uma fracção das almas originais?”
Se considerarmos que estamos aqui para deixar o nosso contributo ao mundo, porque não contribuímos com mais do que as nossas obras, com mais do que a nossa descendência? Deixar um pouco de nós, num plano mais transcendente… O nosso bocadinho de alma, que aprende, cresce e se eleva com a vida e que, na hora de deixar o corpo, se divide, uma vez mais, para permitir que um pouco desse conhecimento, dessas características permaneça e se desenvolva a partir dali, uma nova vida, cada vez mais e melhor.


Dizia Lavoisier que “Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.” Numa concepção puramente biológica, talvez mesmo algum conforto possa advir de sabermos que fazemos parte de um ciclo em constante renovação e remodelação, não a um nível transcendente mas sim material, molecular, miscroscópico.

Seja como for, qualquer teoria é incompleta, mesmo que se possa aproximar de uma verdade. Assim sendo, qualquer hipótese pode ser considerada e teremos uma afeição tanto maior a determinada teoria, quanto mais essa teoria apelar aos nossos conceitos, valores e crenças, e quanto maior o preenchimento e paz que ela nos trouxer.

"Procura a Maravilha!"

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Pontas Soltas I


Acordou de madrugada, com um sentimento de absoluta tranquilidade. Abandonou a cama, sentindo o ar frio de inverno abraçar-lhe o corpo nu.
Dirigiu-se à janela e abriu as cortinas de par em par, deixando que os primeiros raios penetrassem suavemente pelas frinchas das portadas de madeira. Seguiu-os com o olhar e vi-os pousar no peito descoberto daquele desconhecido que a arrebatara. Sorriu ao avaliar o seu rosto sereno na penumbra, o cabelo desgrenhado, os lábios ligeiramente afastados, a respiração quente e ronronante, a barba que despontava.
Sentou-se na poltrona enroscando-se em si própria. Pousou a cabeça nos joelhos e deixou o cabelo escorregar pelo pescoço.
A última noite discorreu como que feita sonho. 
A maneira como lhe surgira no meio da chuva, vindo não se sabe de onde, o seu olhar intenso, ardente. 
Ficaram ambos parados à chuva por uns segundos, sem conseguirem desligar-se do olhar um do outro. 
Então ela pegou-lhe na mão e guiou-o suavemente para o interior de sua casa.
Não falaram.
Ela despiu-lhe a gabardina encharcada e dirigiu-se à casa de banho para ir buscar uma toalha. Ele mantivera-se direito, de pé, os olhos presos no lugar onde ela desaparecera, e sustentou a posição enquanto ela se aproximava. Um pequeno estremecimento denunciou a sua emoção, quando o tocou pela primeira vez por sobre a toalha e foi ela quem se sentiu tremer quando ele interceptou a sua mão, envolvendo-a com um calor inesperado.
Apoderando-se da toalha começou a enxugar-lhe o cabelo revolto que lhe pingava as costas.
- Vais adoecer – sussurrou.
Como que hipnotizada, fixou-o, entreabrindo os lábios, e começou a desabotoar lentamente a camisa que se lhe colava às formas, denunciando o seu corpo. Deixou-se afagar, sentindo o turco deslizar-lhe pelo cabelo, a face, os ombros, os seios…
Fechou os olhos.
Avançou para ele.
Um calor inebriante percorreu-lhe o corpo quando pousou as mãos no peito dele. Inspirou o seu perfume silvestre. Apoiou a testa no seu ombro e tirou-lhe a camisa de dentro das calças. Sentiu-se enlaçada e extremamente leve quando ele a apertou contra si e a levou em direcção à cama.

- Bom dia…
Levantou a cabeça. Ele sorria.
- Bom dia.
Pausa.
O que dizer em seguida?
- Dormiste bem? – foi ele quem rompeu o silêncio.
Ela acenou.
O seu sorriso alargou-se.
- Posso arranjar-te alguma coisa?
- Podes voltar para a cama?
Sentiu-se derreter.
Levantou-se devagar e sentou-se na borda da cama; um movimento nas suas costas aproximou-o de si e ela deixou-se guiar de volta para debaixo dos lençóis.
- Fala-me de ti – mantinha-a a presa nos seus braços fortes.
Havia uma estranha confiança, uma ligação intensa entre eles. E a conversa discorreu.


"Procura a Maravilha" =)

sábado, 22 de maio de 2010

Mãe, o que é o amor?

- Mãe…o que é o amor?
Um breve estremecimento. “Quando será que esta fase dos «porquês» vai acabar? E porque não podem os miúdos fazer perguntas mais simples…perguntas com resposta?”
-Mãe…-insistiu, prolongando a sílaba - …o que é o amor?
Que poderia eu responder? Dar uma resposta técnica? Como aquelas dos dicionários? «Paixão; afecto; inclinação da alma e do coração»? Não, não se define assim amor. Uma interpretação mais lírica? «Amor é fogo que arde sem se ver/É ferida que dói e não se sente…» Também não me parece. Que utilidade tem isso para a mente de uma criança de seis anos?
Seis anos… bem podia experimentar uma abordagem como “É quando gostas muito de alguém e queres estar com essa pessoa e queres que ela goste de ti e que esteja bem e feliz…”. Parece-me bem.
Experimento.
É a sua vez. Vejo as suas sobrancelhas contraírem, os olhos semicerram-se muito ligeiramente, na sua típica pose de concentração e vejo que pondera as minhas palavras, mede-as, sente-as, para ver se servem de resposta.
Uma nova questão cruza a sua carinha redonda e as pupilas brilham ligeiramente, antes de permitir que os lábios desenhem, em jeito de conclusão:
- Então…eu tenho amor por ti e pelo papá, e pela avó Carlota e o avô Zé, e a avó Babá e o avô Tim, e pela Carolina Queirós e a Inês Alves e pelo Pedro Afonso! – Uma pausa para ganhar fôlego - E a princesa Ariel tem amor pelo Príncipe porque salva-o e canta e quer que ele fique feliz! E eu também quero que os meus amigos e os meus papás e os avozinhos gostem de mim e fiquem felizes!
Um sorriso radiante, de quem aceitou a resposta e a considerou certa, fazendo imediatamente um resumo claramente exigente de aprovação.
- Hum…sim, filha. É isso mesmo.
Dou-lhe um beijo na face e afago-lhe os cabelos cor de mel e, no instante seguinte, já ela está novamente de roda das bonecas, a ensiná-las, muito séria, que têm de gostar umas das outras e brincar todas para terem «o amor».
Recosto-me na cadeira e pego novamente na revista. Mas os pensamentos invadem-nos e fico – pela milionésima vez – surpreendida com a capacidade dos miúdos nos porem tudo em perspectiva. Se esta resposta lhe chega por agora, certamente não será sempre assim… Mas haverá alguma resposta certa? Afinal…o que é o amor?
Tal como um novelo, os meus pensamentos desenrolam-se, entrelaçam-se, desfiam-se… e começo eu, numa visita ao passado (à «experiência»?), em busca da minha resposta.
Amor? O que é que nós sabemos sobre o amor? O quê, além daquela certeza que se apodera de nós quando o sentimos?
Eu tive a minha dose de paixões e de desilusões amorosas. Se algumas me fragilizaram, houve muitas que me fortaleceram e, sem dúvida, todas elas me fizeram crescer e aprender mais qualquer coisa.
Lembro-me de pensar em diversas ocasiões como tudo não parecia passar de uma ilusão; como algo que nos deixa zonzos por um momento até que, por qualquer motivo, esse efeito de desfaz e damos por nós a pensar se foi de facto real.
Um dos primeiros namorados que tive – nunca me esqueci, porque adorei o que disse – achava que tudo se prendia com as emoções da conquista.
- Toda a gente sabe seduzir, - disse-me ele quando confessei que nunca tinha tido muito jeito ou à vontade para cativar atenções – é uma capacidade que nasce connosco. O segredo está nas pessoas que estão aptas a reconhecer os diferentes tipo de sedução… e se se deixam, ou não, seduzir.
Sentia-me fascinada pela maneira como ele via o mundo e expressava as suas ideias, nada me dava mais prazer que discutir as nossas diferentes perspectivas. Até que, um dia, percebi que me tinha cansado. Percebi que as suas conversas já não eram estimulantes – cansavam; percebi a sua falta de experiência – a redundância; acima de tudo, assustou-me a sua inflexibilidade. A sua intransigência. Já não nos completávamos – colidíamos.
Olho para a minha filha, que me olha de volta, firme mas calmamente, com um olhar que aquece todo o meu corpo. Um breve sorriso e volta-se para ajeitar os vestido de uma das bonecas, retomando a sua «lição».
Penso na efemeridade das coisas. Esta minha filha que ainda há tão pouco tempo estava dentro de mim e que brinca, agora, com bonecas. Que lhes ensina, tentando ela compreender, o que é o amor. E que, não tardará muito, será ela a experimentar. Que experiências viverá? Que aventuras? Que desgostos? Que desilusões? Saberá ela encontrar uma resposta? Ou passará, simplesmente, de amor em amor, de ilusão em ilusão, percebendo cada vez menos do assunto e aceitando, aos poucos, essa certeza de nada saber?
Foi assim comigo. Tal como naquele dia em que, ao acordar ao lado do meu namorado (na altura) o senti como um estranho, sem qualquer tipo de afinidades comigo. Mais uma ilusão que se desvanecera. Mais um amor que provava ser efémero.
Não quero com isto parecer amarga ou desacreditar o poder do amor. Estou casada e bem casada. Tenho uma vida estável e feliz. Se amo o meu marido…bem, não sabendo ao certo definir o amor, talvez possa dizer que penso que sim. Quero-o do meu lado e quero estar ao lado dele, contribuindo para o nosso bem-estar mútuo. Não posso, no entanto, assegurar uma relação eterna, não posso garantir que não terminará a ilusão uma vez mais. Mas não me preocupo. O futuro é um mistério.
E há uma ilusão que nunca se quebrará: o amor absoluto que sinto pela minha filha e que, esse sim, se pode chamar de um verdadeiro amor, sincero, desinteressado e altruísta.

"Procura a Maravilha" <3<3

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Nightfall

Para quem viu os filmes "Before Sunrise" e "Before Sunset", aqui fica um final alternativo: "Nightfall". Peço desculpa por estar em inglês, mas foi assim que me saiu...


CELINE’S HOUSE
Celine dancing.

CELINE
Baby, you are gonna miss that flight.

JESSE
I know...

Celine keeps dancing. Jesse gets up and closer, holds her and places his face deep in her neck. They hold it like that for a second.

Celine turns suddently and stands back.

CELINE
Oh my God, the driver’s waiting for you and I-I... I gotta take dinner downstairs, you know.. I mean
they’re waiting for me as well...you know to...have...dinner...

She walks around the kitchen and gets closer to the refrigerator.
Jesse stands in his place astonished.

CELINE
Help me out...?

JESSE
W-What are you saying...? Calm down, come here... What are you doing?

CELINE
You gotta go... Remember...? We’re not real. This isn’t real... You and me... It’s just this isn’t it? I mean... Come on, you have a plain to catch...and...

JESSE
I already missed that flight... And I’m here... God! I waited so long to be with you again, to find you, to make it in my head that you did exist...

CELINE
Ok...and you did, and I did... And now what? Are you seriously saying...? What? What are you sayin'? I don’t even understand...

JESSE
I don’t know... I have nothing figured out... but I spent the last nine years wishing you hadn’t given me up... I wrote a damn book to find you, and I did, and you tell me you just couldn’t make it nine years ago, and all that crap about how I stole your romance skills or...whatever! You wrote a friggin’ song about me...

CELINE
(interrumpting)
I just told you it’s not about...

JESSE
No! It is about me... So just... Let’s just sit and...talk...and...try to solve this mess...please?

They stare at each other from across the balcony.

CELINE’S TERRACE
Celine’s holding Che and Jesse carries Celine’s plate of food.

CELINE
(Whispering)
Ok, just leave it on the table...
(To the woman waiting)
Pardon madame... nous avons un petit problème.. Je ne peux pas dîné avec vous... Mais je laisse ici le...
(Back to Jesse)
Ok...lets go have your talk...

They start walking towards the exit meeting Jesse’s driver.

JESSE
Ah...er...monsieur...je vas..

CELINE
(Interrupting)
"Vais"... Monsieur, pardon, il va rester encore une nuit... il a...
(To Jesse)
You have his number, non?
(To the driver)
...Il a votre téléphone. Si vous pouvez lui répondre demain... Oui? Merci monsieur...

A COFFEE SHOP
Celine and Jesse are sitted in a small, round table.
Celine’s taking a cup of tea. Jesse has a cappuccino in front of him.

CELINE
Allons-y... What did you want to talk about?

JESSE
I just think you have to...well...make a choice... Is this it? I mean... Seriously...let’s talk about us for once... Are we really just to have this moments... that night, this afternoon... I missed you and...You missed me. Isn’t that important?

CELINE
You’re married...

JESSE
Yes. And I already told you that it is not a good marriage... I’m not gonna be one those guys who stays with his wife simply because they want their kid to live in a...a...great family environment...It’s not gonna hapend... You remember, I told you that night that if I had to choose, I’d marry you... If I have to choose now... I choose to try it with you... I want to see... If you’re the right one for me...

CELINE
All we have is that night... Do you think that’s enough? What if we’re not meant to be...Then, not only doesn’t this thing work, that memory will be spoiled...forever...

JESSE
No! No... that’s not true! I’m not saying: "Let’s get married and live together for the rest of our lives"... All i’m saying is... Let’s try... Let’s just...know each other, not from a memory, but froma day to day connaissence...

CELINE
And how would we do that? I leave my boyfriend and my work to go with you? You leave your son to live in here?

JESSE
(Smirking)
We’ll figure something out...
I don’t want to lose you again...

He grabs her and. She allows it and holds her stare in his.

CELINE
No...
(She sighs)
I don’t want to miss you anymore...Oh, why did you come back? I was so blissfully unawareof my misery, of how you were still so deep in me...

JESSE
Let me stay... Let me stay here with you...tonight... I may sleep on your couch, or even go to a hotel... Just say you’ll sleep on it, and you’ll meet me tomorrow... And we’ll figure out what to do...

They part. She stands back in her chair and looks down. He grabs his cappucino.

CELINE
I s’pose...that might be an option... You don’t mind getting an hotel room, do you? Then we’d...
(She starts to laugh)

Oh you look so cute! Come here...

Celine gets closer with her napkin to clean the foam in his upper lip. They look at each other longly and kiss.

METRO ENTRANCE
Early morning. Mist.

Celine is climbing the stairs, slowly, looking down.
She lifts her head, and stops, close to the last step.
Jesse is waiting for her, leaning to a street lamp.
They look at each other and smile.
Celine starts walking again, towards him and he stretches his arm. 
Their hands meet, and they embrace each other.

"Procura a Maravilha" =)

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Palavras Cantadas

Palavras. Quantas vezes não as dizemos sem tomarmos consciência do que, por sua vez elas transmitem? As palavras são versáteis; os oradores são versáteis e também o são os receptores. Num diálogo, tudo é importante: o contexto, o tom, a entoação, a disposição de cada um dos intervenientes. Parece fazer com que as palavras sejam a componente menos importante. A bom dizer, as palavras podem tomar qualquer significado que se lhes queira atribuir. E quantas vezes não nos arrependemos daquilo que proferimos, simplesmente porque não pesámos tudo o que poderia implicar?

Palavras. Enganos. Erros.

Mas não aqui.
Aqui as palavras valem por si, pelo que transmitem, o que vem cá de dentro. Porque escrever torna tudo mais claro, permite ordenar pensamentos, sem ter de pensar; basta pousar os dedos nas teclas, fechar os olhos e deixar as palavras fluírem... É o que quero.

"Procura a Maravilha" ;)