segunda-feira, 18 de abril de 2011

Madrugada

A madrugada fria foi invadida pelo som dos seus pés descalços. Não corria, mas também não ia propriamente a vaguear. Pusera apenas o camisolão de lã do pai para garantir que aquela névoa rasteira não se emaranhava na sua pele, invadindo-lhe o corpo.

Passara a noite em claro, perguntando-se porque custava tanto admitir a si mesma algo que era evidente. A decisão estava tomada e não havia motivos para voltar atrás. No entanto, uma dor miudinha corroía-lhe o peito e ela sabia que havia apenas uma forma de a acalmar.

Assim, dirigiu-se ao pequeno cais improvisado na orla do lago que banhava a sua casa. Os remos encontravam-se dentro da embarcação, pelo que só teve de se acomodar no seu interior e largar as amarras para iniciar o movimento. O ritmo cadenciado dos remos a mergulharem alternativamente na água, o pequeno frémito da sua respiração - quase inaudível mas evidenciado pelo vapor que se formava à frente da sua face - e o chilrear das aves matutinas obrigavam-na a silenciar a mente. Há muito que descobrira ser esta a solução, quando os seus pensamentos começavam a emaranhar-se, gritando no interior da sua cabeça por um momento de atenção, atropelando-se constantemente.

Aqui, no meio lago, sozinha consigo mesma, conseguia ouvir-se a si própria. Embrenhada na penumbra e no silêncio, deixou-se invadir pela simples resposta: custava porque tinha importado; custava porque as memórias estariam sempre com ela, a lembrar-lhe momentos de felicidade que não voltariam. E, no entanto, estava tudo certo.

Inspirou longamente o ar frio da manhã que principiava e, embalada pela água em seu redor, e pelo frémito da sua respiração e pelo chilrear das aves matutinas, enrolou-se sobre si própria, aproximando mais o camisolão do pai e deslizou suavemente para a sonolência.

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