O dia estava quente. Muito mais quente do que estivera em
toda a semana e ela sentia as gotas de suor a escorrer-lhe pelas costas e pelas
coxas enquanto seguiam viagem no pequeno carro de aluguer. Ao seu lado, o outro
ia conduzindo tranquilamente, com uma mão no volante, o outro cotovelo apoiado
na janela e uma cigarrilha na boca. Não se apercebia do tumulto que a agitava.
As últimas semanas tinham sido tão turbulentas para ela, e ele chegara sempre
tão tarde e tão embirrento, que não haviam conversado sobre nada relacionado
com a viagem. Na verdade, não haviam falado sobre nada, a não ser o jantar; e
havia muita coisa que deveria ter sido falada.
Ela sabia que não teria um casamento feliz. Mas
apercebera-se que também não estava preparada para se sentir tão solitária.
Todos os dias saía antes dele, e quando voltava, ajeitava a casa e preparava o
jantar, sempre a horas da vinda dele. Quando ele a procurava de noite, era
solícita.
Na verdade, apenas se sentia sozinha, sem âncora, sem um
amor, um amigo com quem poder desabafar, falar de como se sentia relativamente
àquela viagem. Parecia que todos os fantasmas haviam decidido voltar nos dias
que a antecederam e sob todas as formas possíveis. Quando ia na rua,
parecia-lhe que todos os rostos morenos à distância eram o dele; que ele
decidira vê-la antes da festa da terra, para poderem conversar tranquilamente,
dizer o que ficara por dizer, até atirar acusações um ao outro, culpando-se
mutuamente pelo que acontecera, a partida dele, o casamento dela, exigindo
desculpas, mas tendo já perdoado, só por se encontrarem frente a frente. Ah,
tantas vezes os passos que ecoavam na entrada dos prédios que lavava lhe haviam
parecido os seus, decididos, resolutos a arrancarem-lhe uma explicação; como
imaginou o olhar magoado dele, perscrutando-lhe o rosto, procurando os sinais
de amor que ansiava que ela ainda lhe tivesse e que, nem com muito custo ela
conseguiria esconder. Sonhava assim, acordada, atormentada pelos passos, pela
lembrança da sua cara, do seu cheiro, das suas mãos.
Mas era outra mão que, naquele momento, lhe acariciava a
coxa, a descoberto para aliviar um pouco o calor. Mais uma vez, como de todas
as outras nesses dias que antecederam a malfadada viagem, os sonhos que sonhava
acordada davam lugar à realidade. Agarrou-lhe a mão, num gesto que poderia ser
encarado como carinhoso, mas que era apenas uma fuga, enquanto levava a outra
ao ventre.
Não era a primeira vez que se encontrava naquela posição, a
mão esquerda agarrando o seu homem e a direita no ventre. E, no entanto, não
poderia ser mais distinta: aquele homem era seu no papel e perante Deus, mas
não no seu coração; da outra vez, balbuciara, entre o medo e a excitação, a
possibilidade de carregar uma criança; agora não conseguia pronunciar as suas
certezas sobre a vida que se gerava dentro de si. Sabia que aquela indisposição
se devia a mais do que o calor e os solavancos da estrada; mas não conseguia
falar. Ainda não.
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