terça-feira, 14 de maio de 2013

A Festa de Outono - III

    Ela não saberia dizer se já conseguira dormir alguma coisa ou se se mantivera sempre semi-consciente da chuva lá fora, a fustigar impiedosamente a janela, e da respiração do outro a seu lado. A bem dizer deveria começar pensar nele como o seu novo "ele".... estavam casados, afinal. Mas não conseguia. Não era ele... era o outro... E ela sabia que nada haveria de mudar isso; não se casara por amor mas por vingança e, talvez um pouco, segurança. A segurança de ter um homem a quem pudesse chamar seu e que a poderia proteger, física e financeiramente.
    A família não compreendia aquele casamento; achara-o apressado e sem fundamento. E quando avistaram o noivo, ela viu claramente as sombras que lhes haviam passado pelos olhos, enquanto a expressão se cerrava em reprimenda.
    Ela compreendia, claro. Vendo-o ai deitado, a seu lado, semi-despido e apenas com a breve luz dos relâmpagos a iluminar o seu corpo tatuado, quase não parecia um homem. Para quem vivera toda a vida numa aldeia recatada do interior, os seus escrúpulos e os preconceitos ditavam quase toda a sua forma de ser e viver. E ela já tinha tido uma boa dose de anos na cidade. Por isso, sim, compreendia a reação deles. Mas isso trazia-lhe uma certa satisfação. Não se importava com o falatório e a noção de rebeldia sabia-lhe bem. Aparecer com o outro na Festa de Outono seria um choque para todos... e principalmente para ele.
    Garantira o silêncio da família para poder causar o caos.

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