sábado, 22 de maio de 2010

Mãe, o que é o amor?

- Mãe…o que é o amor?
Um breve estremecimento. “Quando será que esta fase dos «porquês» vai acabar? E porque não podem os miúdos fazer perguntas mais simples…perguntas com resposta?”
-Mãe…-insistiu, prolongando a sílaba - …o que é o amor?
Que poderia eu responder? Dar uma resposta técnica? Como aquelas dos dicionários? «Paixão; afecto; inclinação da alma e do coração»? Não, não se define assim amor. Uma interpretação mais lírica? «Amor é fogo que arde sem se ver/É ferida que dói e não se sente…» Também não me parece. Que utilidade tem isso para a mente de uma criança de seis anos?
Seis anos… bem podia experimentar uma abordagem como “É quando gostas muito de alguém e queres estar com essa pessoa e queres que ela goste de ti e que esteja bem e feliz…”. Parece-me bem.
Experimento.
É a sua vez. Vejo as suas sobrancelhas contraírem, os olhos semicerram-se muito ligeiramente, na sua típica pose de concentração e vejo que pondera as minhas palavras, mede-as, sente-as, para ver se servem de resposta.
Uma nova questão cruza a sua carinha redonda e as pupilas brilham ligeiramente, antes de permitir que os lábios desenhem, em jeito de conclusão:
- Então…eu tenho amor por ti e pelo papá, e pela avó Carlota e o avô Zé, e a avó Babá e o avô Tim, e pela Carolina Queirós e a Inês Alves e pelo Pedro Afonso! – Uma pausa para ganhar fôlego - E a princesa Ariel tem amor pelo Príncipe porque salva-o e canta e quer que ele fique feliz! E eu também quero que os meus amigos e os meus papás e os avozinhos gostem de mim e fiquem felizes!
Um sorriso radiante, de quem aceitou a resposta e a considerou certa, fazendo imediatamente um resumo claramente exigente de aprovação.
- Hum…sim, filha. É isso mesmo.
Dou-lhe um beijo na face e afago-lhe os cabelos cor de mel e, no instante seguinte, já ela está novamente de roda das bonecas, a ensiná-las, muito séria, que têm de gostar umas das outras e brincar todas para terem «o amor».
Recosto-me na cadeira e pego novamente na revista. Mas os pensamentos invadem-nos e fico – pela milionésima vez – surpreendida com a capacidade dos miúdos nos porem tudo em perspectiva. Se esta resposta lhe chega por agora, certamente não será sempre assim… Mas haverá alguma resposta certa? Afinal…o que é o amor?
Tal como um novelo, os meus pensamentos desenrolam-se, entrelaçam-se, desfiam-se… e começo eu, numa visita ao passado (à «experiência»?), em busca da minha resposta.
Amor? O que é que nós sabemos sobre o amor? O quê, além daquela certeza que se apodera de nós quando o sentimos?
Eu tive a minha dose de paixões e de desilusões amorosas. Se algumas me fragilizaram, houve muitas que me fortaleceram e, sem dúvida, todas elas me fizeram crescer e aprender mais qualquer coisa.
Lembro-me de pensar em diversas ocasiões como tudo não parecia passar de uma ilusão; como algo que nos deixa zonzos por um momento até que, por qualquer motivo, esse efeito de desfaz e damos por nós a pensar se foi de facto real.
Um dos primeiros namorados que tive – nunca me esqueci, porque adorei o que disse – achava que tudo se prendia com as emoções da conquista.
- Toda a gente sabe seduzir, - disse-me ele quando confessei que nunca tinha tido muito jeito ou à vontade para cativar atenções – é uma capacidade que nasce connosco. O segredo está nas pessoas que estão aptas a reconhecer os diferentes tipo de sedução… e se se deixam, ou não, seduzir.
Sentia-me fascinada pela maneira como ele via o mundo e expressava as suas ideias, nada me dava mais prazer que discutir as nossas diferentes perspectivas. Até que, um dia, percebi que me tinha cansado. Percebi que as suas conversas já não eram estimulantes – cansavam; percebi a sua falta de experiência – a redundância; acima de tudo, assustou-me a sua inflexibilidade. A sua intransigência. Já não nos completávamos – colidíamos.
Olho para a minha filha, que me olha de volta, firme mas calmamente, com um olhar que aquece todo o meu corpo. Um breve sorriso e volta-se para ajeitar os vestido de uma das bonecas, retomando a sua «lição».
Penso na efemeridade das coisas. Esta minha filha que ainda há tão pouco tempo estava dentro de mim e que brinca, agora, com bonecas. Que lhes ensina, tentando ela compreender, o que é o amor. E que, não tardará muito, será ela a experimentar. Que experiências viverá? Que aventuras? Que desgostos? Que desilusões? Saberá ela encontrar uma resposta? Ou passará, simplesmente, de amor em amor, de ilusão em ilusão, percebendo cada vez menos do assunto e aceitando, aos poucos, essa certeza de nada saber?
Foi assim comigo. Tal como naquele dia em que, ao acordar ao lado do meu namorado (na altura) o senti como um estranho, sem qualquer tipo de afinidades comigo. Mais uma ilusão que se desvanecera. Mais um amor que provava ser efémero.
Não quero com isto parecer amarga ou desacreditar o poder do amor. Estou casada e bem casada. Tenho uma vida estável e feliz. Se amo o meu marido…bem, não sabendo ao certo definir o amor, talvez possa dizer que penso que sim. Quero-o do meu lado e quero estar ao lado dele, contribuindo para o nosso bem-estar mútuo. Não posso, no entanto, assegurar uma relação eterna, não posso garantir que não terminará a ilusão uma vez mais. Mas não me preocupo. O futuro é um mistério.
E há uma ilusão que nunca se quebrará: o amor absoluto que sinto pela minha filha e que, esse sim, se pode chamar de um verdadeiro amor, sincero, desinteressado e altruísta.

"Procura a Maravilha" <3<3

12 comentários:

  1. Cada vez fico mais *.* com os teus textos.

    Beijinho Sofia *

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  2. maravilhoso é teres pachorra de os ler até ao fim!

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  3. Nota-se que este texto é uma espécie de ficção com um dedo de experiência pessoal, isto é, criaste uma história e no meio da história metes um pouco da tua (ainda que com efabulações). Am I Right?

    Anyway… O que é o Amor? Há tantos tipos de amores e tão poucas palavras para o descrever. Acho que a melhor maneira de perceber os diferentes tipos de amor, é senti-los a todos...

    Gostei da história.

    Keep up the good work

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  4. Todos os textos têm o seu "quê" de vivências pessoais... Senão, como poderias escrever o que quer que fosse?

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  5. Tu podes escrever uma história de acordo com as tuas experiências pessoais, mas também podes escrever sobre algo nunca vivenciado (escreves da forma como imaginas como seria).

    Por exemplo. Nós escrevemos e falamos muitas vezes na perfeição, sem nunca a termos experimentado ou conhecido, no entanto isso não nos limita em relação à escrita.

    Podemos escrever sobre tudo (obviamente com um estilo caracteristico nosso), mas isso não significa que os textos tenham as nossas experiências, eu acho.

    Big kiss =*

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  6. Mas as tuas experiências não têm de reflectir unicamente situações verdadeiramente vivenciadas. Essas determinam também os teus sonhos e aspirações e, nesse sentido, ainda que escrevendo sobre ideais, reflectes os teus desejos.
    O que queria dizer é que encontras sempre pedaços de ti naquilo que escreves...

    Beijinho ;)

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  7. O amor tem o nome de mascarado xD quando não sabia o que era um namorado ou o amor. Ou então queria apenas ser a bunny, e aturar o rapaz era um bónus.

    Acho-te parecida com a escritora Dorothy Koomson. Ver o mundo da perspectiva de uma criança, vista por um adulto. E também a utilização de enumerações e assíndetos x)
    Para além de gostarem muito de crianças.

    Keep on, simba.

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  8. eh pah...isso foi muito palavreado técnico!!! lol Agora em portugues para putos sff

    (Ps. Eu gostei do mascarado primeiro, por isso shiu!)

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  9. "(...) vejo que pondera as minhas palavras, mede-as, sente-as,"
    isto. É uma técnica de escrita que fica bastante bem e a minha stora de português gostava muito lol (a patrícia usou bastante nos seus tempos áureos, portanto).

    Em relação ao mascarado olha que não sei. Podes ser mais velha, mas ele sempre gostou mais de mim. haha

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  10. FUCK the mascarado!!! (Tu sabes porquê sofia ;)) Lindo texto, eu já tinha dito que escreves muito bem, mas nunca é demais repetir. venha daí essa criatividade!!

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  11. Adorei!! Gostei especialmente desta frase, muito tua: "E a princesa Ariel tem amor pelo Príncipe porque salva-o e canta e quer que ele fique feliz!" ;)

    O que retiro deste teu texto: "...e se algumas me fragilizaram, houve muitas que me fortaleceram e, sem dúvida, todas elas me fizeram crescer e aprender mais qualquer coisa."

    Gosto mesmo da forma como escreves...
    E o "pior" é que me fazes pensar... ;)

    Raquel

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