sábado, 29 de maio de 2010

Pedacinhos de Alma

Pego mais uma vez no filme "Before Sunset" (pergunto-me porquê...=P) desta vez para partilhar parte de um trabalho que fiz o ano passado.

“Ok, este foi o meu pensamento: há 50’000 anos não havia sequer um milhão de pessoas no planeta. Há 10’000 anos havia, talvez, dois milhões de pessoas no planeta. Agora, há entre cinco e seis mil milhões de pessoas no planeta, certo? Então, se temos todos a nossa própria, tipo, individual, única alma, de onde é que todas elas vieram? Percebes… serão as almas modernas apenas uma fracção das almas originais? Porque, se são, isso representa uma divisão de 5’000 para 1 de cada alma nos últimos 50’000 anos que é um pontinho no tempo da Terra. Portanto, na melhor das hipóteses, nós somos estas pequenas fracções de pessoas, percebes, a andar… Quero dizer, será por isso que andamos tão espalhados? Será por isso que estamos tão especializados?”

Para mim, a reincarnação é pouco plausível. Considero que, como entidades biológicas que somos, como resultado de reacções químicas, assim também, ao perecermos fisicamente, desaparecemos de todo. Pelo menos enquanto entidade única e individual. Não creio que haja uma divisão entre o corpo e a consciência. Considero a consciência uma das funções orgânicas do nosso corpo e, tal como o nosso coração cessa os batimentos e os outros órgãos deixam de funcionar, também a consciência cessa com o terminar da actividade neurológica, cerebral.

A ideia de que não há um fim absoluto é, no entanto, uma ideia acima de tudo apaziguadora. Não tenho qualquer dúvida que um religioso devoto, que acredite piamente na salvação da alma, terá uma posição muito mais tranquila relativamente à morte do que aqueles que, como eu, não crêem nessa possibilidade.

Então, porque não deixar-me encantar? Porque não permitir-me imaginar um mundo para além do nosso, para além do próprio material? Não aceito, porém, que voltemos vezes sem conta ao mundo para corrigirmos erros de vidas passadas até atingir a perfeição plena ou, como já ouvi dizer – e quase me revolta – para redimirmos uma outra alma. Mesmo isso exigiria o fim. E o próprio conceito de perfeição é uma ideia abstracta e inatingível, criada por nós; um objectivo a atingir.
Mas porque não pensar nesta possibilidade de cada um de nós ser uma porção de alma? Consigo render-me a essa mística.

“Percebes… serão as almas modernas apenas uma fracção das almas originais?”
Se considerarmos que estamos aqui para deixar o nosso contributo ao mundo, porque não contribuímos com mais do que as nossas obras, com mais do que a nossa descendência? Deixar um pouco de nós, num plano mais transcendente… O nosso bocadinho de alma, que aprende, cresce e se eleva com a vida e que, na hora de deixar o corpo, se divide, uma vez mais, para permitir que um pouco desse conhecimento, dessas características permaneça e se desenvolva a partir dali, uma nova vida, cada vez mais e melhor.


Dizia Lavoisier que “Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.” Numa concepção puramente biológica, talvez mesmo algum conforto possa advir de sabermos que fazemos parte de um ciclo em constante renovação e remodelação, não a um nível transcendente mas sim material, molecular, miscroscópico.

Seja como for, qualquer teoria é incompleta, mesmo que se possa aproximar de uma verdade. Assim sendo, qualquer hipótese pode ser considerada e teremos uma afeição tanto maior a determinada teoria, quanto mais essa teoria apelar aos nossos conceitos, valores e crenças, e quanto maior o preenchimento e paz que ela nos trouxer.

"Procura a Maravilha!"

2 comentários:

  1. Concordo em parte com o que disseste. A própria religião é um subterfúgio para nos proteger dos nossos medos e receios… Nasceu da opressão dos hebreus por parte dos romanos. A religião fomenta a compaixão e o sentimento de pena pelo próximo. Portanto, para haver religião é necessário haver miséria, desespero, enfim.
    Por outro lado, nem todos os conceitos foram criados por nós, o que indica a existência de algo superior a nós.
    Por exemplo, a perfeição. Nós não sabemos o que é a perfeição, no entanto nascemos com esse pré-conceito na nossa mente. Não creio que o tínhamos criado, porque toda a população o tem presente, no entanto ninguém o ensinou. Logo é um conceito que faz parte de nós sem que nós o tenhamos experimentado.

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  2. Por esse curso de pensamento, consideras então alguma coisa como a Teoria das Ideias, de Platão, que as almas contemplam uma ideia e, neste mundo material, têm apenas acesso a uma ténue imagem disso. Segundo essa ideia, separas mente de corpo.
    Eu não concordo com isso. Acho que a ideia de perfeição nos é incutida desde sempre, mas não é uma coisa homogénea. Não só vais alterando o teu conceito de perfeição ao longo da vida, como nunca terás uma concepção igual à de quem te rodeia.

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