quinta-feira, 3 de junho de 2010

Pontas Soltas II


A fila para o café parecia interminável. Com um suspiro resignado, acomodou a pasta debaixo do braço e tomou a sua vez.
Os seus ouvidos foram invadidos pelo burburinho dos grupos de pessoas que se dispunham por toda a sala. Tornava impossível qualquer pensamento… o que não era inteiramente mau. Havia dias que preparava aquela apresentação, não se justificavam quaisquer acrescentos de última hora, mas ao mesmo tempo, o zurzido de fundo prevenia distracções.
Quaisquer distracções.
E no entanto, quando chegou a sua vez de tirar café, o ruído da máquina rasgou o silêncio absoluto que se impusera. Seguindo a direcção de todas as cabeças, deparou-se com uma jovem que acabara de entrar no edifício e percorria descontraidamente a sala, em direcção ao auditório. Usava uma saia bege pregueada pelos joelhos, e uma camisa branca, simples, com as mangas arregaçadas pelos cotovelos, e apoiava, nas mãos juntas, uma pasta fina de cabedal. Andava direita e confiante como se o efeito da sua presença parecesse não a atingir; mas a sua expressão era uma mistura de censura e divertimento, revelada pelo ligeiro franzir das sobrancelhas e o meio sorriso que lhe apertava os lábios rosados.
O seu inesperado alheamento, enquanto avaliava a criatura que criara toda aquela atmosfera, fê-lo esquecer-se do copo que tinha na mão entornando café sobre os sapatos, no momento em que ela atravessava a porta do auditório. Um segundo depois, o burburinho regressava, ainda mais intenso, mas não o suficiente para abafar o seu praguejar. Ainda não fizera a sua apresentação e parte da sua imagem já estava manchada. Desta feita, foi para ele que as cabeças todas se viraram e, corando um pouco, pediu desculpa.
Sentiu um toque no seu ombro, e virou-se para fitar um homem de meia-idade, de barba bem aparada e grisalha, que lhe sorria de forma simpática.
- Sabe meu caro, as aparências enganam. Não fique tão engasgado com uma mulher só porque ela é bonita… Quem frequenta estas andanças sabe que não há beleza que supere a sua loucura. Não, não se trata de uma doente mental, não faça essa cara! Mas digamos que… vive num mundo à parte, se assim se puder dizer. Uma mulher extraordinária…Podia ser argumentista de cinema!
Terminou o discurso com duas palmadas nas costas e seguiu o seu caminho.
David acabou de beber o seu café e dirigiu-se ao auditório.


"Procura a Maravilha"

2 comentários:

  1. Uhhuhh tenho o nome da personagem x)

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  2. E o resto? queremos mais! lol
    Se fosse de uma editora, "editava-te" ;)

    Beijo
    Raquel

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