domingo, 3 de outubro de 2010

Areias, o Camelo

«Hum...o quê? Ai...que dor de cabeça!». Abriu um olho, «Bolas, já é dia de novo!». Voltou a fechar o olho, inspirando lentamente o ar húmido e freso da alvorada.

«Hum, lá está aquele aos gritos! Já vai! Já vai... Bolas...». Abriu, desta feita, os dois olhos. espreguiçando-se enquanto focava a vista através da claridade penetrante. Ergueu-se, lentamente. «As minhas costas...au!»

Pé ante pé, aproximou-se do resto do grupo, onde os outros haviam já iniciado o repasto. Um olhar de esguelha fê-lo aperceber-se daquela "cobra" ameaçadora, pronta a saltar-lhe para o flanco se não adiantasse o passo. Foi o que fez. Pancada não é a melhor forma de começar o dia. «Qualquer um deles...Que quase podiam ser o mesmo, tal é a diversidade!», pensou amargamente.

Depois de - vagamente - alimentado, seguiu para a parada do equipamento: as correias e correntes, a boqueira, os suportes metálicos quase impossíveis de transportar e responsáveis por aquelas dores crónicas e silenciosamente suportadas.

A sua mente voou.

O sol erguia-se, agora, com toda a solenidade, por trás daquela colina adiante. A vida agitava-se. Os raios de sol aqueciam; os passos dos restantes elementos do cáfila ecoavam em uníssono sobre as areias escuras, ordenados de acordo com as vozes que se levantavam, provenientes dos atiçadores de "cobras"; as aves iniciavam o seu vôo, com um distinto restolhar de asas. Inspirou lentamente e uma pancada seca fê-lo iniciar a marcha, concentrando-se na regularidade dos passos. Pois de que vale queixar-se? Imediatamente aqueles olhos pequeninos se contraem e a "cobra" ataca.

Resignação. Diziam-lhe ser uma bela palavra para aprender, fizar e...apreciar? «Hum...resignação. E paciência...». E esperança. «Sim, esperança. Não é assim tão difícil consegui-la. Não quando, apesar de toda a tortura física, dia após dia, se erguem a toda a volta dunas escuras do tamanho de montanhas». Embora o trabalho inclua apenas um trilho definido, pisado e repisado, que segredos se encontram para lá das colinas? «Quantos outros trilho não haverá a toda a volta? Quantas mais colinas para transpor? Quantos mistérios?»

Uma vontade súbita de fugir assomou-lhe ao fundo da garganta. Um desejo intenso de ganhar asas, como os pássaros, e largar tudo, sem impedimentos, sem olhar para trás.

«E porque não? A vida espera-me lá fora, mais intensa que esta rotina de todos os dias, do temor físico, das ordens incompreensíveis!» O seu espírito agitava-se e gritava, enquanto se acomodava na areia à espera das primeiras cargas. «Um dia serei livre de percorrer todos esses trilhos, todo esse espaço que se ergue à minha volta, sem correntes nem "cobras", nem cáfila. Até lá tenho a minha resignação e paciência. Até lá tenho os meus sonhos.»

- Mamã, mamã! Vamos andar de camelo! Olha mamã! Estou em cima do Areias! Anda Areias! Mais depressa.

Pelos direitos dos animais.

Procura a Maravilha.

1 comentário:

  1. Vê lá se fazes uns textos pelo mosquito que espancaste até à morte... :O

    Mas tenho a dizer que, sim, concordo. :)
    (Especialmente tendo em conta a selva que nos rodeia.)

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